quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Uma liberdade incontrolável *

Por Douglas L. Lemos

Com efeito, ao iniciar o século XVI, a liberdade era mais uma vez ansiada e proclamada nos mais diversos setores da sociedade européia. Os novos tempos visivelmente expressados pelos renascimentos Cultural e Comercial, bem como e mais particularmente pelo Humanismo de Erasmo de Roterdã e seus associados, eram saudados com inquietações, questionamentos, revalorização dos modelos clássicos greco-romanos, artes musicais, pinturas, esculturas, literatura, efervescências religiosas e individualismo de todos os tipos. É neste meio que se desenrola uma reforma religiosa, que ao final daquele conturbado século,  deixaria uma profunda marca nas sociedades com as quais estava envolvida.

A Reforma Protestante, assim denominada a partir do século XVIII, por historiadores alemães, causou repercussões muito além do alcance da religiosidade européia. Movimentou  e transformou a política, a economia, a cultura e mesmo a geografia dos Estados ocidentais onde Lutero, Ulrich, Cavino, Melanchton e demais pregadores estabeleceram um novo sistema de culto cristão. A Reforma, na verdade, não havia surgido de um movimento orquestrado de mudanças, mas das inquietações e necessidades ordinárias daqueles com os quais estava envolvidas.

Vista e revista, esta página da história mundial foi tema de muitos estudos que ainda hoje prosseguem, numa tentativa de se obter uma maior e mais clara compreensão dos eventos. Contudo, de imediato fica visível as repercussões que uma doutrina, o Sacerdócio universal de todos os crentes, obteve.

Num contexto de agitações e afirmação do individualismo humanista, o Sacerdócio universal deu a todo cristão a possibilidade de alcançar a divindade através da oração pessoal, pela fé (outro ardente tema protestante). Antes, apenas os Sacerdotes oficialmente ordenados, juntamente com os Santos no Céu, detinham o privilégio de acesso  a Deus, mediante a oração, de forma que estes privilegiados homens tornaram-se e mantiveram-se longos séculos como mediadores exclusivos entre Deus e os homens, no percurso de suas tristes e breves vidas. Contudo, ao fortalecer-se a reforma protestante nos diversos estados do Sacro Império Romano Germânico, e ao fluir para os demais países europeus, a extensão da doutrina citada e seus impactos puderam ser sentidos por todos.

Uma vez que já não era necessária a mediação por um Sacerdote oficial, homens e mulheres de todas as camadas sociais puderam experimentar a sensação de liberdade, e firmarem-se em suas próprias convicções. O homem simples do campo entendeu que estava diante de uma oportunidade sem par: se o sacerdote já não era necessário, tampouco dízimos, ofertas e tributos os mais diversos não faziam sentido. A eclosão de revoltas sociais foi inevitável, e as rebeliões espalharam-se rapidamente, ainda que com a desaprovação de Lutero e grande parte dos reformadores. Entretanto, outros líderes entenderam que as mudanças não podiam se limitar aos cultos e doutrinas, mas que eram necessárias maiores e mais profundas transformações sociais, o que os levou a desencadearem grandes rebeliões e transformou um sentimento religioso num grande e incontrolável movimento político-social.

A pregação e o estabelecimento da doutrina do Sacerdócio universal de todos os crentes fez com que surgissem incontáveis místicos e profetas, que aproveitaram a onda de liberdade religiosa para promoverem experiências espirituais pessoais e desenvolverem uma crença num relacionamento particular com Deus, o que os fez pensar serem verdadeiramente ‘iluminados’ e livres.

Tal doutrina, proposta e defendida por Lutero e seus seguidores, abalaria as estruturas da Igreja de Roma, poria em lados opostos reis e prelados, e atingiria a medula do poder – religioso e secular – na Europa. A salvação por meio da fé aliviava a tensão interior de cada homem e os libertava das muitas indulgências. A remoção da mediação ia muito mais além e produziria um golpe inexprimível no sistema católico romano hegemônico.
A propósito da nova teologia desenvolvida por Lutero e seus associados, e ainda por muitos outros homens que vieram a ser lideranças religiosas e políticas em seus países, nunca mais a cristandade pôde experimentar, ainda que externamente, uma unidade semelhante àquela expressada nos tempos feudais.

DELUMEAU, Jean. Nascimento e afirmação da reforma. Tradução de João Pedro Mendes. São Paulo: Pioneira, 1989. 384p. (Série Nova Clio; 30).
CAIRNS, Earle E.. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. Tradução de Israel Belo de Azevedo. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. 508p.

* postado originalmente em meu blog: Torre de Sião

Um comentário:

  1. Douglas o seu texto fruto de pesquisa, não apresenta uma pessoalidade o que é exigido em um artigo de caráter pessoal seu texto tem um caráter mais informativo este deveria colocar-se argumentando, questinando e levando o leitor a uma aceitação ou reflexão. Continue escrevendo.
    Um abraço!
    Professora Ecia Mônica

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